"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

Análise de conteúdo com ênfase estrutural

Os três filmes publicitários que compõem o corpus (“Eu sou a Amazônia”, “Tem um monstro na minha cozinha” e “A Jornada das Tartarugas”) contam histórias de forma estratégica e persuasiva, fazendo uso de elementos arquetípicos e recursos como antropomorfização de animais para conectar a audiência com a causa ambientalista. Todos os vídeos foram publicados na plataforma YouTube ao longo de 2020 e possuem duração que varia entre um minuto e meio e dois minutos e meio.

Apesar de reduzida, consideramos a amostra de vídeos suficiente para explorarmos as estratégias presentes no storytelling audiovisual do Greenpeace através de suas estruturas narrativas. Com o mesmo objetivo de engajar pessoas em prol da causa ambiental, trata-se de documentos relativamente homogêneos, considerando duração, proposta e técnicas utilizadas, e representam uma mesma organização, ainda que tenham sido produzidos por diferentes equipes de criação contratadas por ela. 

Após realizarmos a pré-análise e a exploração do material bruto, elaboramos como premissa que, no lugar de Pater, os filmes publicitários possuem a figura de uma Mater que corresponde à imagem arquetípica da Grande Mãe (NEUMANN, 2021); que o Spiritus possui um caráter anímico, emergindo da Grande Mãe; que o Diabolus é representado por imagens de destruição ambiental; e que a audiência se configura como herói (Filius) das narrativas.

Por se tratar de materiais audiovisuais, optamos por realizar a transcrição do áudio e a descrição das imagens por escrito, para posterior análise da estrutura narrativa. Ao longo da preparação do material, os dados foram organizados de modo que a descrição das imagens exibidas correspondesse temporalmente ao que está sendo narrado em voice-over. Durante o processo, verificamos que os temas presentes nas sequências que compõem as narrativas audiovisuais atendem aos pressupostos do esquema fornecido por Canevacci (1984). Enquadramos seus elementos (narração, diálogos, efeitos sonoros e imagens) dentro das suas respectivas categorias – Mater, Filius, Spiritus e Diabolus –, acrescentando à parte outras observações, referentes ao tempo, ângulos e música de fundo.

Além dessa preparação formal permitir a visualização dos dados visuais e sonoros que compõem as sequências, também possibilita associar os temas exibidos ou narrados a cada uma das quatro categorias do esquema estrutural. Dividir em sequências ainda permite analisarmos se elas se adequam à estrutura de quatro segmentos proposta por Thompson (1999) para a análise de filmes hollywoodianos. Para explorarmos as intersecções entre filmes publicitários e cinema comercial, simplificamos a divisão descrita por Thompson (1999), considerando: apresentação, na qual são introduzidas as circunstâncias que levarão à formulação de metas do protagonista; ação complicadora, quando surge uma nova situação com a qual o protagonista precisa lidar; desenvolvimento, marcado por incidentes que provocam emoção no protagonista, incentivando-o a agir, além de criar suspense e adiamentos; e clímax, o ponto de maior ação e que leva à resolução final, que depende apenas do protagonista.

Para avaliar a premissa, adotamos como índice a correspondência da estrutura dos filmes publicitários à quaternidade mítica adaptada por Massimo Canevacci (1984), substituindo a figura do Pater por uma Mater. Os indicadores dizem respeito à adequação dos elementos que compõem as narrativas às relações de oposição presentes no esquema, destacando principalmente a relação que Filius (audiência) estabelece com as outras categorias. As sequências narrativas foram escolhidas como unidades de registro e, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, a regra de enumeração adotada foi a presença ou ausência de elementos no texto. A presença é a mais significativa, pois a partir dos temas presentes enquadramos as sequências no esquema de Canevacci (1984). 

Em um primeiro momento, identificamos as sequências de acordo com os temas que elas evidenciam, com o objetivo de apreender a dimensão denotativa do discurso. Ao proceder para uma segunda análise, buscamos identificar as associações que ligam significados primeiros a significados segundos. Para estabelecer categorias mais apuradas, buscamos extrair o sentido subjacente às sequências, considerando as condições de produção para identificar os valores implícitos evocados pelas imagens e suas conotações.

Como a análise possui um caráter mais estrutural, investigamos o que há de constante nos significados e nas relações que organizam as unidades de registro: “Para cada material, cada código ou cada conteúdo estudado, espera-se fazer surgir um sentido suplementar pela clarificação de uma 'sintaxe' ou de uma 'gramática' que se sobrepõe à sintaxe ou à gramática conhecidas do código” (BARDIN, 2016, p. 267).

Desse modo, elaboramos um quadro para análise das sequências, dedicando uma coluna para cada categoria do esquema interpretativo (Pater, Filius, Diabolus ou Spiritus). Cada sequência foi atribuída a uma das categorias, e uma quinta coluna, denominada “Observações”, foi criada para a descrição de outros elementos audiovisuais, como os marcadores dos pontos de virada, efeitos sonoros, mudanças na música de fundo, transições e mudanças de ângulo. 

Na etapa de inferência, identificamos as significações contidas nos filmes publicitários. Como explica Bardin (2016):

[…] muitas vezes, os conteúdos encontrados estão ligados a outra coisa, ou seja, aos códigos que contêm, suportam e estruturam esta significação, ou então, às significações “segundas” que as primeiras escondem e que a análise, contudo, procura extrair: mitos, símbolos e valores, todos esses sentidos segundos que se movem com descrição e experiência sobre o sentido primeiro (BARDIN, 2016, p. 167)

Na etapa de inferência, verificamos a premissa ao compararmos as análises sequenciais e temáticas realizadas à estrutura maniqueísta presente em narrativas heróicas, traduzida pelo esquema moral de Canevacci (1984). Como explica o autor, trata-se de um estereótipo porque o “diferente” (Diabolus) é combatido dentro de um esquema heróico regido por um sistema de oposições, e por isso, para romper com o estereótipo seria necessário contestar o binarismo desse protótipo hipo-estrutural. 

Nenhum comentário: