[…] os princípios e técnicas de storytelling, que até pouco tempo atrás pertenciam ao reino da literatura, cinema, teatro e contação de histórias no jardim da infância, saltaram para dentro das empresas e de uma vez por todas para a política dos oito países que, combinados, formam mais de 50% da política mundial (MCSILL, 2015, p. 32)
Ao longo do capítulo contextualizamos o uso instrumental da narrativa, destacando suas origens, abordando a função das histórias na tomada de decisões, passando pelos estudos de Narratologia e de comunicação organizacional, e destacando principalmente a popularização do storytelling na publicidade, assim como a constância de uma estrutura narrativa no cinema comercial. Voltando ao storytelling publicitário, resta explorarmos de que forma ele pode servir como estratégia de comunicação em uma organização da sociedade civil.
Em “Cultura do Consumo”, Isleide Arruda Fontenelle (2017) cita uma forma de prossumo relacionada à comunicação de ONGs: a prosuming conservation. A autora cita uma pesquisa etnográfica, realizada em duas ONGs de preservação da natureza, que demonstrou como elas atuam de forma semelhante a empresas capitalistas. Os prossumidores, neste caso, constroem a imagem e a experiência da natureza que eles pretendem conservar:
A análise dos websites dessas ONGs mostrou como os prossumidores são interpelados a não apenas contribuir com recursos financeiros, mas também a compartilhar, com amigos e familiares, o conteúdo criado em seus próprios sites pessoais, em conexão com os sites dessas ONGs. O conteúdo dos sites analisados sugere que isso permite que o prossumidor faça a diferença no projeto de salvar os animais africanos. (FONTENELLE, 2017, p. 139)
Vale lembrar que o movimento ambientalista, de acordo com Castells (2018), é bem sucedido em mobilizar pessoas porque, além de utilizar as tecnologias de comunicação a seu favor, caracteriza-se por seu pragmatismo. Dessa forma, ao dar ênfase à resolução de questões, "as pessoas percebem que são capazes de exercer influência sobre decisões importantes aqui e agora" (CASTELLS, 2018, p. 243).
Também já observamos na introdução desta pesquisa que o Greenpeace mantém em seu site a página Greenpeace Storytelling, dedicada a divulgar formas de usar o storytelling como estratégia, em especial para iniciativas que visam a conscientização ambiental (GREENPEACE, 2021). Mas, além deste projeto, constatamos que seu investimento na produção de narrativas audiovisuais reflete uma tendência do mercado. Como exemplo podemos citar as semelhanças dos filmes publicitários do Greenpeace com o método storybrand, entre elas o fato de ambos se referirem à audiência como protagonista, terminando seus filmes no que seria o clímax, com uma Call To Action.
Muitos consumidores já estão acostumados com frases como “Se você gostou do conteúdo, curta, comente e compartilhe”, que no marketing recebem o nome de Call to Action (CTA), ou chamada à ação. Apresentadas em conteúdos online que visam engajar usuários e expandir o alcance das marcas que a utilizam, essas chamadas têm o objetivo de persuadir, de forma simples e direta, a audiência a agir de determinada forma logo após a entrega de informações de valor ou uma mensagem impactante.
Diferentes chamadas servem a diferentes objetivos, desde vender produtos até conquistar apoiadores em uma campanha de preservação ambiental. Porém, todas são posicionadas estrategicamente dentro do storytelling publicitário para alcançar o público-alvo, como Miller (2019) evidencia:
Definimos um desejo, identificamos seus desafios, fomos empáticos em relação a seus sentimentos, estabelecemos nossa competência para ajudá-los e lhes demos um plano. Mas eles precisam que façamos mais uma coisa: que os exortemos a agir (MILLER, 2019, p. 95).
Ao tratarmos dos vídeos publicados pelo Greenpeace Brasil, é primordial identificarmos a CTA de cada um deles para definirmos o objetivo das suas campanhas. Na forma de filmes publicitários, as histórias – contadas de modo a captar a atenção da audiência, despertar memórias e mitos presentes no imaginário e, enfim, causar emoção para engajar mais pessoas em prol da causa ambiental –, caracterizam-se pelo seu poder de persuasão. E mesmo quando a “ação” visada não é colocada de forma direta, os vídeos terminam com frases que a sugerem, implicitamente:
- “Eu sou a Amazônia” (2020): “A Amazônia depende de nós, nós dependemos da Amazônia. #TodosPelaAmazônia.”;
- “Jornada das Tartarugas” (2020): “6 em cada 7 espécies de tartarugas-marinhas estão ameaçadas de extinção. Precisamos de santuários marinhos em um terço dos oceanos para que as tartarugas e outras espécies fiquem a salvo. (...) Proteja os oceanos. Assine a petição. greenpeace.org.br/proteja-os-oceanos”;
- “Tem um monstro na minha cozinha” (2020): “O desmatamento é um monstro que está devorando nossas florestas e nossa biodiversidade. Exija que as empresas e governos protejam a Amazônia e o nosso futuro. Compartilhe e ajude a proteger nossas florestas.”.
Durante a pré-análise, verificamos que todos os vídeos concluem suas narrativas com afirmações ou dados sobre a importância de preservar o meio ambiente. Desse modo, entregam um valor genuíno, do qual se espera convencer a audiência a partir de um storytelling que provoca sensibilização, conexão com a natureza, ou até identificação com os personagens que o narram. A CTA convoca a adesão da audiência à causa, seja por meio do uso de hashtags, assinatura de uma petição ou compartilhamento do conteúdo.
Duas características marcantes do herói, segundo Vogler (2015), são a ação e a disposição ao sacrifício. E o autor explica que o público costuma se identificar naturalmente com o herói, porque é através de sua perspectiva que se sente imerso na narrativa. De acordo com “A jornada do escritor” (2015), ao longo da história o protagonista tem como principal função aprender, enquanto vence obstáculos e alcança objetivos. Ao chegar no clímax do roteiro, depois de adquirir conhecimentos por meio da experiência e manifestar suas vontades e seus desejos, cabe ao herói realizar uma ação decisiva, de maior risco ou responsabilidade, da qual depende o destino dos outros personagens.
Por isso partimos da premissa de que a audiência constitui o herói dos filmes publicitários do Greenpeace. E as pessoas que compõem essa audiência, por consumirem os vídeos por meio do YouTube, também se tornam prossumidores, como explica Fontenelle (2017):
É no contexto das redes e mídias sociais que, de fato, encontramos a relação mais elaborada do prossumo como cocriação da experiência. Todo o conteúdo que viabiliza a existência desses espaços virtuais é feito por um agente que pode ser considerado um prossumidor, na medida em que tais espaços não existiriam sem o trabalho e o consumo ininterrupto daqueles que o acessam. (FONTENELLE, 2017, p. 139-140)
A partir dos três filmes publicitários que constituem o corpus da pesquisa, analisaremos como eles produzem sentidos sobre a relação entre humanidade e natureza. Para isto, adaptamos um esquema de interpretação desenvolvido por Massimo Canevacci (1984) a partir dos estudos da Psicologia Analítica, o que proporcionará um enfoque estrutural para a aplicação da análise de conteúdo (BARDIN, 2016).
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