Os filmes publicitários que fazem uso de recursos do storytelling se beneficiam das estratégias usadas em filmes comerciais, uma vez que o gênero está situado entre o cinema e a publicidade. Tratando-se de Hollywood, Kristin Thompson (1999) afirma, em “Storytelling in the New Hollywood: Understanding Classical Narrative Technique”, que a ideia de que os roteiros deveriam ser divididos em início, meio e fim, conforme concebia Aristóteles, já estava presente em manuais desde antes da I Guerra Mundial. Entretanto, após uma análise empírica das narrativas clássicas hollywoodianas ao longo do século XX, a autora percebeu que a estrutura delas, em vez de corresponder aos três atos, consiste em quatro segmentos, que têm como foco as ações e motivações dos personagens.
Uma das possíveis explicações para o fato de a noção aristotélica, proveniente do teatro, não se adequar ao cinema, é que a experiência de assistir a um filme não envolve “intervalos”: o objetivo dos filmes comerciais é prender a atenção dos espectadores até o fim da sessão de cinema (THOMPSON, 1999). Os filmes de Hollywood são construídos de modo a envolver o público na narrativa, assim como o objetivo dos filmes publicitários é manter sua audiência atenta até o final, momento em que a persuade para executar uma ação.
Thompson explica que a estrutura das narrativas hollywoodianas possibilitou a adequação dos filmes à reação da audiência, algo que já interessava aos produtores desde a década de 1920. O uso frequente dessas técnicas pode ter levado os cineastas de Hollywood a desenvolverem uma “habilidade instintiva” de identificar o momento certo para mudar a direção da ação (THOMPSON, 1999, p. 43). De forma semelhante às ações ascendentes e descendentes (rising and falling actions) presentes na estrutura de obras literárias, a dinâmica própria do cinema comercial é o que define os segmentos das suas narrativas:
Por que uma narrativa precisa deste tipo de estrutura? Podemos supor que dividir uma narrativa em partes dá ao espectador um senso da direção pela qual a ação vai seguir, de maneira a auxiliar sua compreensão. A estrutura pode ser aprendida instintivamente, se assistirmos a muitos filmes. Ela também previne que alguma porção da história se torne muito longa e entedie a audiência (THOMPSON, 1999, p. 22, tradução da autora)
Assim, Thompson (1999) afirma que desde os primórdios de Hollywood, vários cineastas parecem ter, deliberada ou instintivamente, ajustado suas narrativas em segmentos de larga escala, com duração mais ou menos equilibrada, seguindo um padrão que pode ser dividido em quatro partes: apresentação ou exposição (setup), ação complicadora (complicating action), desenvolvimento (development), e clímax ou resolução (climax).
Como exemplo, é interessante notar que, antes mesmo da pesquisa de Thompson (1999) ser publicada, a adaptação da Jornada do Herói que Christopher Vogler propôs para o cinema já transformava os três atos elaborados por Campbell em quatro atos. Como vimos no primeiro capítulo, Vogler (2015) incluiu quatro clímaces no esquema de Campbell (2013), o que acabou por destacar o estágio da Provação na metade do segundo ato, resultando no esquema: ato 1: Separação; ato 2A: Descida; ato 2B: Iniciação; e ato 3: Retorno (VOGLER, 2015, p. 46).
Por outro lado, algumas constatações de Thompson (1999) reforçam o legado aristotélico. Uma delas é a importância dada a uma boa construção dos personagens, que para Aristóteles é um dos elementos mais importantes da tragédia, ficando atrás somente do enredo. De acordo com Thompson (2001), os filmes de Hollywood dependem de personagens com traços bem definidos tanto para efeito de causalidade quanto de compreensibilidade, por isso filmes com apenas um protagonista costumam ser os mais compreensíveis, apresentando menos desafios para audiência enquanto progridem de cena a cena (THOMPSON, 1999).
A abordagem formalista de Kristin Thompson (1999) parece demonstrar, empiricamente, como as estruturas narrativas influenciam o sucesso das produções audiovisuais perante o público, e são capazes de ser transmitidas espontaneamente, condicionando nosso modo de consumir filmes. Afinal, nem sempre os próprios cineastas e roteiristas estão conscientes da presença de padrões narrativos. O fato deles se apresentarem de modo tão espontâneo e constante ressalta, mais uma vez, a importância da forma.
A partir da análise de uma amostragem que abrange desde a Era dos Estúdios até o fim da década de 1990, Thompson (1999) percebeu que a grande maioria dos filmes de Hollywood se dividia nessas quatro partes – apresentação, ação complicadora, desenvolvimento e clímax –, e que geralmente os maiores pontos de virada forneciam as transições existentes entre cada segmento. Além disso, os filmes muitas vezes apresentam um “turning point” (ou ponto de virada) crucial, localizado aproximadamente na metade de sua duração.
O mais importante para os filmes de Hollywood, de acordo com Thompson (1999), é que o roteiro possua uma premissa, e se ela mudar de rumo e depois for retomada isso aumenta as chances de prender a atenção do público. Thompson afirma que o motivo mais frequente para uma narrativa mudar de direção é uma alteração nos objetivos do protagonista. As metas do protagonista são centrais para desenhar o enredo no filme clássico, sendo possíveis de serem formuladas, desenvolvidas, alteradas, substituídas, buscadas ou perseguidas, bloqueadas, procrastinadas e, eventualmente, alcançadas ou não (THOMPSON, 1999).
É no primeiro segmento do filme, a apresentação, que a situação inicial se estabelece, geralmente quando o protagonista concebe uma ou mais metas, ou quando são introduzidas as circunstâncias que mais tarde levam à formulação das metas. No próximo segmento, o da ação complicadora, a narrativa é levada a outra direção. Isso pode envolver a busca do herói por uma meta concebida na apresentação, mas que teve que ser interrompida devido a algo repentino, tornando necessário mudar suas táticas dramaticamente. Em muitos casos a ação complicadora serve como uma “contra-apresentação”, construindo toda uma situação nova com a qual o protagonista deve cooperar.
A terceira grande parte, o desenvolvimento, costuma se distinguir bastante da ação complicadora. Até esse ponto uma quantidade considerável de premissas, metas e obstáculos foram introduzidos, por isso o desenvolvimento costuma demonstrar as dificuldades do protagonista enquanto busca seus objetivos. É comum que esta terceira parte do filme (que é a penúltima) envolva vários incidentes que criam ação, suspense e adiamentos (THOMPSON, 1999).
O desenvolvimento geralmente termina no ponto em que todas as premissas relacionadas aos objetivos e linhas de ação já foram introduzidas, então o segmento final, que corresponde ao clímax, pode ter início. Nele, a ação
muda para um progresso direto em direção à resolução final, normalmente aumentando de forma constante, até uma sequência concentrada de maior ação. A questão chave agora é: os objetivos do protagonista serão alcançados ou não? (THOMPSON, 1999, p. 29, tradução da autora)
Thompson (1999) explica que o ponto de virada não é apenas um momento, e sim uma ação que pode durar algum tempo. Esses pontos costumam se relacionar com as metas dos personagens: podem ocorrer quando a meta de um protagonista é alcançada e ele articula isso; ou quando uma meta é alcançada e substituída por outra; ou até pode surgir uma nova premissa que eventualmente vai levar o protagonista a uma nova meta. Apesar do ponto de virada geralmente vir ao final de um segmento longo, isso não é obrigatório, e ele também pode ocorrer logo após a mudança de um segmento para outro (THOMPSON, 1999).
Os pontos de virada também não precisam ser demasiado dramáticos, podendo ser uma pequena ação, desde que decisiva, que determina o rumo que a próxima grande parte deve tomar. Ou podem ser a predominância de uma lógica causal, baseada na motivação do personagem, ou novas premissas, objetivos, decisões de mudar táticas, enfim, algo que crie a forma com que esses momentos se entrelaçam (THOMPSON, 1999).
Thompson observa que o seu esquema de apresentação, ação complicadora, desenvolvimento e clímax não representa um problema para filmes com mais de quatro partes. Nesses casos, ela observa que uma possibilidade seria duplicar a parte de desenvolvimento ou de ação complicadora, acrescentando um ponto de virada que enfatize a parte extra (THOMPSON, 1999). Filmes mais curtos também podem ser constituídos pelos quatro segmentos, que não necessariamente possuem uma duração equilibrada. A autora ainda acrescenta que um filme pode não ter pontos de virada (THOMPSON, 1999).
Adaptando as constatações formais de Thompson (1999) ao nosso objeto de pesquisa, buscaremos compreender de que forma a estrutura narrativa e as metas do protagonista, ou a mudança delas, servem aos objetivos do storytelling do Greenpeace. Afinal, quando o protagonista das narrativas é a própria audiência, no que consiste o clímax da história?
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