"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

Uma síntese analítica

O cinema comercial, característico por sua popularidade, também se destaca por sua progressão, sua capacidade de prender a atenção do público e sua unidade narrativa, qualidades reforçadas nos enredos compostos por quatro segmentos (THOMPSON, 1999). Os filmes publicitários do Greenpeace fazem uso dessas estratégias e do recurso ao voice-over, que tornam a mensagem final ainda mais clara, aumentando as chances de engajamento da audiência com a chamada à ação.

Notamos alguns padrões presentes na estrutura narrativa dos três filmes publicitários, que se tornam mais evidentes quando comparamos a duração de cada um dos quatro segmentos de acordo com os critérios formalistas estabelecidos por Kristin Thompson (1999). Em todas as narrativas analisadas, o primeiro segmento (apresentação) é o mais longo, sucedido pelo segundo segmento (ação complicadora), que tem uma duração maior do que os restantes. Já o terceiro e o quarto segmentos (desenvolvimento e clímax, respectivamente) possuem durações aproximadas, mais curtas.

No estudo de Thompson (1999), a autora afirma que é comum haver um ponto de virada entre a ação complicadora e o desenvolvimento, geralmente situado na metade dos filmes hollywoodianos. Isso permite estabelecermos uma comparação entre a análise dos quatro segmentos e a Jornada do Herói descrita por Vogler (2015), porém nesta os pontos de virada são chamados de clímaces. O clímax presente no meio da aventura é justamente o momento da provação central; é nele que o herói supera suas maiores dificuldades e parte para enfrentar as forças hostis que o oprimiam nos atos anteriores. O restante da jornada, portanto, equivale aos segmentos que Thompson (1999) chamaria de desenvolvimento e clímax.

Eu sou a Amazônia


Jornada das Tartarugas



Tem um Monstro na minha Cozinha

Observamos que, nos três vídeos analisados, somente após essa provação central a audiência (portanto, o Filius) compreende que deve assumir um papel heroico. No entanto, o ponto de virada não está situado na metade, mas em cerca de dois terços (70%) após o início dos filmes publicitários. Dessa forma, os segmentos de desenvolvimento e clímax possuem menor duração (menos de um terço, aproximadamente 30%, para os dois segmentos), o que pode contribuir com maior dinamismo e impacto da chamada à ação. 

Em relação ao conteúdo, reconhecemos que não é possível afirmar de forma inequívoca os sentidos visados pelo Greenpeace, afinal, a linguagem não é transparente, e cada vídeo faz uso de diferentes linguagens, visando públicos distintos. Mas buscamos apontar alguns padrões a partir dos elementos presentes nas narrativas, categorizando-os dentro da estrutura da quaternidade mítica (CANEVACCI, 1984) e do estudo dos quatro segmentos (THOMPSON, 1999). É pelo fato de os três vídeos apontarem para certas regularidades em relação ao conteúdo que, nesta síntese analítica, podemos explorar melhor as quatro categorias estabelecidas para análise (Mater, Spiritus, Diabolus e Filius).

O primeiro vídeo “Eu sou a Amazônia”, por exemplo, com sua linguagem mais poética, é o único do corpus analisado que não se trata de uma animação. Em alguns momentos ele recorre a uma visão mítica da floresta, e em outros, a uma visão científica, ecológica, como associações ao ciclo das águas. Essas visões se encontram ao final do vídeo, quando se afirma que todos somos a Amazônia, reforçando assim a ideia de interdependência, do Grande Círculo ou de Gaia, que é também uma Grande Mãe. 

De um modo geral, como Mater são recorrentes as associações com elementos naturais, bem como informações de teor científico que indicam a solução para o problema, ou seja, a restauração de uma "ordem natural", geralmente antes da ou na própria CTA. Em “Eu sou a Amazônia”, os elementos naturais incluem imagens que demonstram a imensidão de rios e florestas, e também as que refletem a ideia de meio ambiente integrado, como um pertencimento da humanidade à natureza: a casa de taipa em meio a floresta, assim como as crianças brincando no rio, pescadores, agricultores manuseando o coração de bananeira e extraindo açaí.

No segundo vídeo, esses padrões não se repetem porque o ambiente marinho foi moldado de acordo com ambientes urbanos. Além disso, consideramos como Mater apenas a CTA, que contém dados sobre os riscos de extinção das tartarugas, cujo tom poderia ser interpretado como a voz da Grande Mãe, que impõe limites. Mas ela não é tão ameaçadora quanto a Mãe Terrível que aparece em um trecho do primeiro vídeo, com as imagens da inundação de Nova Jersey, demonstrando a fúria da Mãe Natureza. Já no terceiro vídeo, os elementos se assemelham aos encontrados em “Eu sou a Amazônia”: floresta, animais coloridos, como mico leão dourado e arara, vegetação tropical, frutas e vegetais orgânicos. E a onça, quando ela abraça a todos na cena final, adquirindo a forma do planeta Terra e completando o Grande Círculo que contém o menino e sua mãe.

Spiritus, por sua vez, se encontra representado nos personagens que narram as histórias e que sofrem as ameaças de destruição de seu habitat natural devido à ação humana. Eles são a Amazônia (o coração do planeta); a família (pai, mãe e filhos) e toda a comunidade de tartarugas; e a onça, que a princípio é identificada como “monstro”, mas revela sua natureza durante a narrativa. Já Diabolus está nas diversas formas de destruição ambiental provocadas pela humanidade, representadas como queimadas, extração de minérios, aquecimento global, petróleo no mar, rejeitos de mineradora e poluição, de um modo geral. Porém, aparece principalmente como morte -- animais queimados, em sofrimento ou correndo riscos -- e outros elementos destituídos de vida, como máquinas e pessoas “desumanizadas”, sem expressão, que se comportam de forma mecânica.

Como já apontamos, o que se sugere para a audiência (Filius) no final dos vídeos é uma solução para os problemas ambientais, resumida na chamada à ação como uma missão a ser cumprida pelo herói. Seja com as frases “A Amazônia depende de nós, nós dependemos da Amazônia” e “A gente não pode mudar o passado, mas podemos exigir um futuro melhor”, ou com a cena em que o menino e a sua mãe se juntam aos ativistas (“os guerreiros da nossa grande nação”). Nos três casos, interpretamos que os heróis são todos aqueles que, assim como a audiência, podem fazer algo. 

O Filius se encontra no campo da resistência, com o qual a audiência deve se identificar. E isto só ocorre numa relação de oposição ao Diabolus, com o qual a audiência também se identifica, caso reconheça em si o seu aspecto mais sombrio, que reflete ignorância e desejo de poder. Nesse jogo de oposições, é a destruição da natureza que traz a emergência da Mater, apelando para o herói lembrar de sua condição de igualdade em relação aos outros animais e de sua impotência diante de desastres naturais. O padrão só não se repete no vídeo “Jornada das Tartarugas”, único em que a figura maternal é sempre bondosa, não punitiva. Nele a audiência é impelida a sentir, no lugar de medo, culpa pela destruição ambiental, para assumir um papel heroico capaz de impedir a extinção das tartarugas marinhas. 

Diante dessas observações preliminares, voltamos à pergunta de pesquisa para refletir sobre como os filmes publicitários do Greenpeace adaptam o modelo da Jornada do Herói. Afinal, como o Greenpeace faz uso do storytelling? Se o movimento ambientalista questiona a lógica individualista, ocidental, que está nas bases da Jornada do Herói, a estrutura narrativa mais popular no mercado, como esta se diferencia da estrutura narrativa dos vídeos? E de que forma os mitos servem como estratégia para mobilizar pessoas pela preservação da natureza?

Para explorar tais questões, podemos retomar a Hipótese de Gaia, de que a vida na Terra busca estabelecer condições de equilíbrio para todos os seres, e compará-la ao aspecto sombrio da Grande Mãe, presente nos dois vídeos em que o arquétipo primordial se faz presente: a Mãe Terrível. Como na Hipótese de Gaia predomina a imagem do Grande Círculo, e o movimento ambientalista também a propaga, muitas vezes, na imagem de uma bondosa Mãe Natureza, o que podemos afirmar sobre o aspecto ameaçador da Mater? O fato de este não ter sido constatado em uma das análises, e justamente a do filme que segue um esquema patriarcal, talvez nos indique algo. 

Há pelo menos uma hipótese, na comunidade científica, que se opõe à Hipótese de Gaia: a Hipótese de Medeia, proposta pelo paleontólogo Peter Ward (2009). De acordo com o autor, os seres vivos, considerados em conjunto na biosfera, não estabelecem um equilíbrio ecológico, mas são os verdadeiros responsáveis pelas mudanças climáticas capazes de dizimar espécies. Assim, a vida no planeta se encaminha para a sua própria extinção; por isso o nome Medeia, em referência ao mito da mãe que abandona, ou mata, seus próprios filhos, é defendido por Ward (2009) como mais apropriado do que Gaia.

O autor se opõe aos pressupostos do ambientalismo que defendem um retorno ao "equilíbrio original" da Terra, ou seja, as condições planetárias anteriores à evolução tecnológica da humanidade. Ele afirma que cabe à humanidade investir em mais tecnologia para tornar a Terra um lugar menos letal para todos os seres, buscando maior equilíbrio dos ciclos elementais que determinam o destino da vida no planeta. Para isso é necessário confrontar a natureza da vida em si, e lidar com os seres que ameaçam a vida dos seres humanos: micróbios causadores de sua própria forma de poluição (WARD, 2009).

Na Hipótese de Medeia, a evolução dos seres vivos teria desencadeado uma série de desastres que são inimigos da vida e continuarão assim no futuro. Isso porque desde que a vida surgiu na Terra, há mais de 3 bilhões de anos, em condições muito piores que as atuais, cada espécie tentaria se tornar a espécie dominante no planeta, pouco se importando com as outras. O resultado é que os próprios seres vivos encurtam, inconscientemente, o tempo da vida no planeta, alterando as condições ambientais até que  se atinja um ponto letal. Essa letalidade inata é um efeito colateral do principal fator que leva à existência da vida (WARD, 2009). 

A evolução seria, na realidade, um complexo de forças que primeiro trouxe os seres vivos à sua existência, então os moldou, dividiu e os disseminou por toda a biosfera. Mas uma característica da evolução é que a sua unidade básica são as espécies, e não a biosfera, conforme ressalta Ward (2009). O tripé que sustenta a vida na Terra consiste em replicação, metabolismo e evolução, e não se pode considerar algo vivo sem um deles, porém a luta dos seres vivos pela sobrevivência da própria espécie levaria a uma letalidade voltada para outras espécies. Por isso o autor afirma a letalidade como algo indissociável da própria vida (WARD, 2009). 

Em um nível mais abstrato, a perspectiva de Ward (2009) contribui com o presente trabalho possibilitando uma crítica à visão da Terra como Mãe Bondosa, que caracterizaria a Hipótese de Gaia. A Hipótese de Medeia, enquanto metáfora científica, interpreta o planeta como uma Mãe Terrível, confrontando a ideia de equilíbrio ecológico e servindo como contraponto ao movimento ambientalista. Considerando esse outro olhar, nossa análise dos filmes publicitários se torna mais complexa. 

Porque morte também é indissociável do arquétipo primordial da Grande Mãe, capaz de privar seus filhos, todos os seres, da vida. E um dos motivos para destacarmos a Grande Mãe, ou Grande Círculo, como estratégia é que, de acordo com Neumann (2021), a sua imagem seria mais poderosa do que qualquer outro arquétipo, por ser associada ao inconsciente e em oposição à consciência patriarcal. O que verificamos aplicando a metodologia da quaternidade mítica (CANEVACCI, 1984; CAMARGO, 2011) aos vídeos, substituindo a figura de Pater por uma Mater, foi que “Eu sou a Amazônia” e “Tem um monstro na minha cozinha” contestam o sentido patriarcal do esquema original de forma sutil, sem prejudicar o entendimento da narrativa. 

Por mais que os sentidos do esquema original sejam contestados, as oposições seguem muito presentes. Em particular na relação entre Filius e Diabolus, seja por meio de referências a elementos, como fogo, terra e água, ou pelas imagens da morte em contraste com a vida. O contraste entre essas imagens é essencial para persuadir a audiência, uma vez que as oposições facilitam a tomada de decisões (BYSTRINA, 1995) a favor do movimento ambientalista, que é o objetivo dos filmes publicitários do Greenpeace. Para compreendermos melhor como esses sentidos são produzidos, é necessário voltar a destacar alguns elementos e evidenciar as relações estabelecidas entre eles. 

O simbolismo do fogo, presente por meio das queimadas em dois vídeos (“Eu sou a Amazônia” e “Tem um monstro na minha cozinha”) ou na forma de luz intensa (“Jornada das Tartarugas”), reforça o caráter destrutivo do Diabolus, que, por provocar sofrimento ao Spiritus, causa comoção no Filius. Em todos os vídeos, Spiritus é humanizado enquanto Diabolus é desumanizado: floresta e animais são antropomorfizados, enquanto os destruidores do meio ambiente são representados por máquinas ou seres humanos que se comportam como elas. Diabolus encarna sempre o aspecto destrutivo, incontrolado (CANEVACCI, 1984) e que não obedece à ordem natural, segundo a qual é a Mater quem dá a vida ou priva os seres dela (NEUMANN, 2021). 

A Mater está representada em códigos de conduta e símbolos da natureza em equilíbrio: harmonia, preservação, nutrição. Mas, como vimos, não só os mistérios da vegetação, como também os mistérios da morte são associados a ela, que, por representar o inconsciente, é ameaçadora para o ego (NEUMANN, 2021). Já os elementos que provocam uma mudança de atitude no herói são representados pelo Spiritus, que corresponde à anima, capaz de se aproximar do herói sem o aniquilar (NEUMANN, 2021). Representado pela Amazônia, pelas tartarugas e pela onça, o Spiritus consiste nos personagens antropomorfizados que, sofrendo devido à destruição ambiental promovida pelo Diabolus, pedem ajuda para o herói e se conectam a ele ao demonstrarem emoções, pois são como a alma (JUNG, 2008). Esse herói, que é a própria audiência enquanto Filius – pois a chamada para ação se dirige à audiência –, caracteriza-se pela ação, uma vez que as narrativas constroem as condições necessárias para ele tomar uma atitude durante o clímax.

Ao compararmos os três filmes, vale destacar mais uma vez as diferenças na representação da Mater em cada um. O arquétipo não foi usado como estratégia em “Jornada das Tartarugas”, pois não há imagens da Mãe Terrível e sua função é intercambiável com a do Pater. E, como nesse vídeo o Grande Feminino só possui aspectos positivos, diferente dos outros filmes, nos quais até o Spiritus expressa sua dualidade, trata-se da narrativa que mais corresponde ao esquema patriarcal. Por isso, a sua análise trouxe mais observações pertinentes em relação aos aspectos da tragédia grega (ARISTÓTELES, 2004) que, após milênios, seguem influenciando textos culturais, do que em relação à presença da Grande Mãe enquanto imagem arquetípica dual.  

Em relação ao papel desempenhado pelo Spiritus, uma diferenciação fundamental pode ser delineada se nos atermos ao fato de que “Jornada das Tartarugas” não questiona o esquema patriarcal, enquanto “Tem um Monstro na Cozinha” e “Eu sou a Amazônia” o fazem. Em todos os vídeos, os elementos da categoria Spiritus exercem a função de comover a audiência, que se identifica com os não-humanos antropomorfizados. Eles são como uma dimensão reprimida da personalidade do herói; um ponto de vulnerabilidade, de fraqueza. Mas em “Jornada das Tartarugas” também se evidencia uma espiritualidade patriarcal (NEUMANN, 2021), solar, idealizada no sentido de encarnar um modelo de pureza: as tartarugas são ingênuas e bondosas, conforme pregam os valores do judaico-cristianismo em que a figura do Pater prevalece. De certa forma, a bondade delas as torna mais puras, inofensivas para o herói, que se sente culpado por não impedir que elas sofram.

Assim, concluímos que a substituição de Pater por Mater modifica o sentido da quaternidade mítica, porque também modifica o sentido de Spiritus. Nos outros dois filmes publicitários ("Eu sou a Amazônia" e "Tem um monstro na minha cozinha"), Spiritus corresponde melhor à definição de anima por revelar seu caráter dual, à semelhança da Grande Mãe: a Amazônia e a onça são mensageiras da Mater, que pode se manifestar a qualquer momento para fazer justiça. Reagir à destruição ambiental significa manifestar a Mãe Terrível, que detém o poder sobre a vida e a morte, e assim impedir que Diabolus – a destruição ambiental – siga causando mortes desnecessárias.

Em “Eu sou a Amazônia”, Spiritus alerta que as ações de Mater podem se voltar contra a humanidade, causando desastres naturais, e em seguida pede ajuda a Filius. Já em “Tem um monstro na minha cozinha”, Filius está representado como o menino e Spiritus, como a onça. Os dois se unem em defesa da Amazônia e contra a indústria da carne, que é o Diabolus, e ao final reintegram-se ao todo, que é a própria Mater, em um ato de renascimento (NEUMANN, 2021). 

Em todas as análises o Spiritus serve como porta-voz da natureza, pedindo a ajuda do Filius por não ser capaz de derrotar o Diabolus sozinho. Por ser equivalente à imagem arquetípica da anima, o Spiritus desempenha a função de se conectar emocionalmente com o herói e provocá-lo a agir, o que pode incrementar o efeito persuasivo dos filmes publicitários, uma vez que a ação mais significativa da história cabe à audiência. E ao assumir o papel de herói, a audiência é incluída na própria narrativa. 

Os vídeos sugerem que Filius e Spiritus se identificam entre si, e esse reconhecimento ocorre de diferentes formas. Em “Jornada das Tartarugas”, a identificação entre público e personagens acontece porque as tartarugas são humanizadas a ponto de reproduzirem hábitos humanos no fundo do mar, como dirigir um carro. Já em “Eu sou a Amazônia” e “Tem um monstro na minha cozinha”, a floresta e a onça se conectam com o público por expressarem emoções, mas sem perder as características que as associam ao imaginário de natureza: um mundo regido por suas próprias leis, estranho e impenetrável, como o inconsciente. Resta à humanidade lembrar que também pertence a esse mundo natural. 

Imagens de protesto estão presentes em dois vídeos, frisando a necessidade de mudanças ou de recriação do mundo, como o retorno a um tempo pacífico, utópico, em que seres humanos e natureza viviam em harmonia. Constatar essa semelhança com os mitos do Fim do Mundo (ELIADE, 1972), somada à correspondência da narrativa com a quaternidade mítica (CANEVACCI, 1984) e ao papel desempenhado pela Grande Mãe (NEUMANN, 2021), demonstra como os textos míticos se apresentam de diversas formas nos textos publicitários. 

Como já observamos, a lógica de oposições não é contestada, e podemos vê-la inclusive acentuada, uma vez que os esquemas binários facilitam a tomada de decisões ou reforçam a urgência de agir (BYSTRINA, 1995). No entanto, o fato de o Diabolus, que no esquema original representa uma zona indistinta e irracional, ser representado nos filmes do Greenpeace pela própria exploração ambiental, permite interpretarmos que o verdadeiro vilão é a lógica destrutiva e industrial predominante. Recorrendo a essas imagens, o Greenpeace envolve pessoas em defesa da natureza, para questionar a visão de progresso da sociedade ocidental e a destruição ambiental acarretada por ela. 

Em relação à chamada à ação, percebemos que o Greenpeace aparece às vezes como Filius, noutras como Mater. E, por mais que os recursos do storytelling usados possam ser relacionados à Jornada do Herói, uma dissonância se apresenta em relação ao estereótipo do esquema original, pois a audiência, herói da jornada, não é apenas Filius, mas também DiabolusMas ainda há outro ponto importante a se destacar: a Jornada do Herói é cíclica, assim como os mitos do Fim do Mundo. E o fato de ambos apresentarem uma ressurreição, ou renovação, como etapa fundamental, possibilita estabelecer paralelos entre essas formas de contar histórias. 

Por mais que os filmes publicitários não sigam cada etapa do monomito, a etapa de ressurreição presente em “Tem um monstro na minha cozinha” e que permanece implícita em “Eu sou a Amazônia” cumpre, ao menos simbolicamente, a profecia de restauração do matriarcado. E em diferentes níveis, é possível interpretá-la também como a conciliação entre consciente e inconsciente, humanidade e natureza, ou luz e sombra (CONTRERA, 2002; CAMARGO, 2011).

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