"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

O filme publicitário “Tem um monstro na minha cozinha” (2020), criado pela agência Mother London, foi produzido pelo premiado Estúdio Cartoon Saloon, que lançou os longas-metragens “WolfWalkers”, “A Canção do Oceano” e “A Ganha Pão”. O estúdio irlandês produz curtas, filmes e séries de TV, destacando-se na indústria internacional de animação. Com uma equipe que conta com mais de 200 artistas e técnicos, suas produções já foram indicadas ao Oscar cinco vezes, além de terem recebido indicações ao Globo de Ouro, BAFTA e Emmy (MOTHER LONDON, 2022). 

A animação, narrada em versos pelo ator Wagner Moura, expõe as consequências negativas da produção industrial da carne a partir da visão de uma onça, chamada Jag-wah, que mostra a um menino o desmatamento das florestas na América do Sul devido ao agronegócio. Dentre os filmes analisados, este é o que mais adota recursos estilísticos próprios do cinema, como zoom, planos fechados, transições e alternância entre ângulos. Tais recursos levam a audiência a variar entre a perspectiva do menino e a da onça. 

A música de fundo acompanha o ritmo da história, e sons de diferentes instrumentos refletem a ação dos personagens. No segmento da apresentação predomina um clima de suspense, ambientado em uma casa escura, à noite. Um menino desce as escadas, apreensivo, evitando fazer barulho e olhando para os lados. Mas ele não percebe, quando está chegando ao andar de baixo, que um animal acabou de entrar na cozinha. Vemos apenas a cauda deste, que possui formas geométricas semelhantes a símbolos tribais, em cores fluorescentes. 

Sem se dar conta do animal, o menino cruza a cozinha até chegar à geladeira, e notamos, pela janela, que ele vive no que parece ser uma grande cidade. Só quando o menino abre a geladeira e se prepara para comer um pedaço de frango, percebe a presença de um “monstro” logo atrás dele.

A partir do momento em que o menino se volta para o “monstro”, a música de fundo, na qual antes predominavam sons de piano e instrumentos de corda, passa a ser marcada por sons de percussão, flautas e sinos. Esses sons, somados à sobreposição de rugidos, imbuem a sequência de uma conotação tribal. O “monstro” possui silhueta de felino, e vemos que sua pele é coberta por diferentes formas geométricas, como quadrados e círculos, que brilham no escuro. Ele arreganha os dentes, em um gesto ameaçador, e solta ar pelas narinas. 

Quando o “monstro” se aproxima do menino, os sons agudos se intensificam, aumentando a tensão da audiência diante da iminência de um ataque. Até então, uma análise temática permitiria interpretarmos a relação do menino com o animal como representativa da relação entre humanidade e natureza; ou, já aplicando a estrutura narrativa da quaternidade mítica, como representativa da relação entre Filius e Diabolus.  

Isso porque, durante todo o segmento, o “monstro” desempenha a função de sombra, que equivale ao inconsciente: são as coisas das quais não gostamos e que rejeitamos, que são projetadas nos vilões, antagonistas ou inimigos, cuja energia se opõe à dos heróis. A função dramática da sombra é desafiar o protagonista, criando conflitos ou ameaçando a vida dele, mas ela também serve para compreendermos “os aspectos não expressados, ignorados ou profundamente ocultos de nossos heróis” (VOGLER, 2015, p. 115). 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

É natural que a audiência, ao escutar a história pela voz do menino, identifique-se com ele, que desempenha o papel de Filius. Assim como o menino, tentamos entender porque o “monstro” invadiu sua cozinha. Vemos através da sua perspectiva que o animal revirou o espaço, jogando alimentos e utensílios no chão. Também vemos uma lista de compras arranhada, na qual é possível ler nomes de produtos derivados de animais (bacon, leite, hambúrguer, linguiça e galinha), o que sugere um incômodo do “monstro” com o consumo deles. Essa suspeita se agrava porque é acompanhada pela narração: “Destruiu a lista de compras e derrubou a carne do fogão. Ele rosnou para os ossos do nosso churrasco de verão”. 

O animal se movimenta em direção ao menino e sentimos o suspense aumentar, pois o “monstro” está em situação de vantagem, com suas garras e aspecto ameaçador. Já o menino, que vê seu ambiente urbano ser invadido por um animal selvagem, demonstra estar cada vez mais amedrontado (“Será que ele está com fome? Espero que eu não seja a refeição”). Assim como ele, ainda não entendemos o que o “monstro” quer. 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

Um plano aberto mostra menino e “monstro” de frente um para o outro, acentuando a diferença de tamanho entre os dois personagens. Aos poucos a sombra do animal, que se aproxima ainda mais, cobre o corpo do menino, que narra: “Tem um monstro na cozinha que me enche de pavor. O que faz aqui seu monstro? Me explica, por favor”. O “monstro” parece prestes a atacar, mas a expectativa é quebrada com o início da ação complicadora. 

Ao se aproximar do menino, o animal sai da escuridão e adquire cores, revelando ser uma onça. Sua expressão não é mais agressiva, e sim de tristeza e pavor, como a do menino que inspirava compaixão. A onça parece estar tão assustada quanto o menino e, nesse momento, ao encararmos seus olhos e nos identificarmos com ela, ocorre o ponto de virada. A “câmera” se aproxima cada vez mais e a narração assume sua voz, acompanhada de visões: ao adentrar na cabeça da onça, adentramos na floresta, colorida e repleta de animais como macacos, sapos e pássaros, cujos sons ouvimos junto à música de fundo, em que prevalece uma flauta. 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

Em uma inversão de papéis, a onça compartilha com o menino os desafios que enfrenta para viver na floresta, seu habitat natural, devido à invasão humana. Dessa forma, passa a corresponder ao que Vogler (2015) chama de arquétipo do camaleão, que se refere ao que Carl Jung chama de anima ou animus, portanto, se enquadra na categoria Spiritus. O camaleão corresponde às qualidades reprimidas ou projeções de um lado oculto do herói, que trazem dúvida e suspense para a história, e os personagens com essa função expressam energia de mudança ou instabilidade, pois costumam mudar de comportamento, aparência ou humor. Úteis ou destrutivos para o herói, são muito importantes por serem catalisadores “de mudanças, um símbolo do desejo psicológico de transformação” (VOGLER, 2015, p. 105). 

Como a onça não pertence à categoria Diabolus, mas sim Spiritus, a relação entre ela e o menino adquire outro significado: Filius e Spiritus estabelecem uma conexão a partir do momento em que o menino vê o mundo pelo olhar do animal (“Tem um monstro na floresta, eu não chego perto não”). Durante o desenvolvimento percebemos que o animal também teve sua “casa” (a floresta) invadida, e nos conscientizamos, assim como o protagonista, de que o verdadeiro Diabolus é a destruição ambiental. 

Vemos que a onça está fugindo das queimadas provocadas por uma figura humana mascarada, a cabeça coberta por um respirador facial e corpo robusto, com grandes braços e tronco. Esse homem manifestado na visão da onça, em meio à floresta em chamas, segura um galão que despeja líquido inflamável. Na roupa do homem há a mesma sigla (“IMC”) que constava em produtos da geladeira do menino. 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

Em uma transição entre cenas, a tela é ocupada pelas chamas e, em seguida, por um padrão de mudas e plantas enfileiradas, representando a monocultura. A vegetação, entretanto, não possui a cor verde, mas tons secos, como bege, cinza e vermelho; cores que transmitem aridez, e não fertilidade. 

Nesses mesmos tons, a tela é preenchida por imagens de animais – galinhas, vacas e porcos – presos em criadouros, com expressões de desespero ou apatia. Sons emitidos por esses animais e barulhos metálicos compõem a música de fundo. Logo a tela desliza para o lado direito, revelando a imagem de um homem inexpressivo dirigindo um veículo de grande porte. Ele possui olheiras, olhos avermelhados, tronco e braços grandes em comparação ao rosto, e a máquina conduzida possui garras que vão em direção à floresta. 

Em seguida vemos o motorista de outra máquina, que parece possuir chifres, o que reforça a ideia de que os verdadeiros monstros (Diabolus) são eles. O motorista leva uma máscara pendurada no pescoço, demonstrando não se importar em se intoxicar com a fumaça; inclusive, em um frame cortado na diagonal que mostra ao mesmo tempo fábrica e o motorista, a fumaça tem continuidade ao longo da tela. 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

Como se fossem “uma coisa só” (Diabolus), as máquinas e os trabalhadores são vistos nas mesmas cores que a “Industrial Meat Corporation”, ou “IMC”. Os animais enclausurados também possuem tons acinzentados, o que os distingue dos que vivem na floresta, coloridos. Até os trabalhadores são “desumanizados” e parecem pouco saudáveis: são desproporcionais, tossem, fumam, e possuem um olhar vazio. 

Um dos elementos que mais aproxima “Tem um monstro na minha cozinha” da linguagem cinematográfica é a variedade de “movimentos de câmera”, além do dinamismo provocado pelos efeitos sonoros e recursos estilísticos. Durante a ação complicadora, as transições entre cenas lembram o movimento de máquinas, de modo que as imagens são enfileiradas, empurradas ou cortadas por outras imagens. 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

O segmento termina com a frase “Eles se sentem poderosos, mas um dia pagarão. O verdadeiro preço desses atos, em breve todos saberão”, que soa como uma profecia, um alerta dado pelo Spiritus, de que a Mater responderá à agressão provocada pelas ações humanas. A inversão de papéis entre onça e menino reforça a conexão entre humanidade e natureza, reconhecidas em condição de igualdade como Filius e Spiritus, em oposição ao Diabolus. O “olhar” da onça termina com uma visão obscura da indústria da carne, que parece cada vez mais extensa em relação à floresta. 

Se, no primeiro ponto de virada, a “câmera” adentrava na cabeça da onça, na passagem da ação complicadora para o desenvolvimento a “câmera” encerra seu movimento se distanciando do rosto do menino, como se ele tivesse acabado de ver o mundo pelo olhar da onça. O menino ainda parece assustado, em choque, mas agora compreende o que está acontecendo. Como afirma Neumann (2021), o Spiritus (anima) é capaz de se aproximar do ego para incentivar sua transformação, diferente da ameaçadora presença da Mater (Grande Mãe). 

É interessante notar que a onça, ou jaguar, possui um forte simbolismo em diferentes culturas das Américas, desde a civilização maia até os ameríndios. Povos tupinambás contam que o jaguar é uma divindade celeste de duas cabeças – ela é quem provoca os eclipses, ao devorar o sol ou a lua  – que, em sua profecia de Fim do Mundo, um dia descerá à terra para fazer dos homens suas presas. Segundo a mitologia de alguns povos da América do Sul, o animal concedeu o dom do fogo para os seres humanos, enquanto outros veem na figura de um jaguar de quatro olhos o símbolo do dom da clarividência (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001). 

Em várias tradições dos povos ameríndios a onça representa as grandes forças terrestres, enquanto a águia representa as grandes forças celestes, e de acordo com a visão de mundo dos astecas, eram travadas lutas míticas entre luz e trevas que se manifestam como guerreiros-jaguares contra guerreiros-águias (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001; NEUMANN, 2021). Mais antigamente, entre os maias, o animal representava a deusa lua-terra, que possuía as garras de um jaguar (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001). De acordo com Neumann (2021), esta seria Chicomecoatl, a mãe do milho com as sete serpentes, uma figura de Grande Mãe Terrível que:

tem as garras do jaguar, animal inimigo arquetípico da luz, considerado o atributo masculino negativo e companheiro do Feminino Terrível, que, também como a Grande Mãe, traja o manto da noite com as luas. Como símbolo das feras predadoras, o jaguar é o deus das cavernas e da terra, da escuridão devoradora e do céu noturno (NEUMANN, 2021, p. 183)

Apesar de haver monumentos na América Central que representam o céu como a goela estilizada de um jaguar, “para os maias, o jaguar é, sobretudo, uma divindade ctoniana, expressão suprema das forças internas da terra” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 511). Além de ligado à grande-mãe lua, ele é reconhecido como senhor das montanhas e dos animais selvagens.

Com o fim da visão do jaguar, o menino sorri de lado e, pela primeira vez, chama o animal pelo nome (“Ô onça na cozinha”) para então propor um plano (“eu já tenho a solução”). A mãe dele aparece no vídeo pela primeira vez, coloca a mão no seu ombro, e eles olham um para o outro. Em gesto de parceria, voltam a olhar para a onça e para a audiência, que assiste ao momento pela perspectiva do animal. A música de fundo acelera e tem início o desenvolvimento, segmento marcado por provocar maior emoção no herói, incentivando-o a agir. 

A ação está na própria cozinha: em vez dos produtos de origem animal, itens de origem vegetal são retirados da geladeira e da estante, e em seguida usados para preparar alimentos. Encontramos Mater representada nesses vegetais, pois a figura da Grande Mãe – associada ao nutrir, alimentar, proteger – em seu aspecto positivo corresponde à deusa da terra e da fertilidade. Neumann (2021) afirma que, por ser a senhora do alimento que brota da terra, em diversas culturas todos os costumes relacionados à alimentação humana dizem respeito a ela: “é a deusa da ‘agricultura’, seja de arroz, milho ou trigo, cevada, tapioca, ou qualquer outro gênero alimentício extraído do solo” (NEUMANN, 2021, p. 257). Desse modo, ao simbolismo da vegetação também pertence a função do desenvolver. 

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

O menino demonstra empolgação ao terminarem o preparo de um espetinho de vegetais e, otimista, volta-se para a onça, que ainda parece desanimada. Estende o braço em direção a ela e promete: “Vou chamar todos os guerreiros da nossa grande nação”. Em seguida vemos manifestantes protestando, carregando uma faixa do Greenpeace e cartazes que criticam a indústria da carne e defendem a preservação da floresta tropical. 

Tanto o menino quanto os manifestantes correspondem a Filius, com o qual a audiência deve se identificar a fim de tomar uma atitude heroica em prol da preservação das florestas e contra a indústria da carne. No entanto, diferente dos outros vídeos analisados, este vai além da mudança de atitude do herói, pois mostra ainda o que acontece ao Filius após adquirir consciência sobre a Mater. Por meio da conscientização ambiental, os personagens se elevam espiritualmente; não de acordo com o princípio solar, patriarcal, cuja “forma platônica-apolínea e judeu-cristã” se reflete na abstrata ideia moderna de consciência, como descreve Neumann (2021), mas sim de acordo com o princípio lunar, matriarcal.  

A tela então mostra uma panela, na qual os personagens cozinham o que parece ser um caldo de vegetais, alimentos associados à Mater. O simbolismo do caldeirão, definido como “recipiente de metal dentro do qual se costuma pôr algo a aquecer, ferver ou cozer” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 166), está ligado tanto a ideias de abundância quanto de transformação. Em rituais iniciáticos helênicos, por exemplo, um caldeirão mágico transformava quem fosse colocado dentro dele: “O caldeirão simboliza o local e o meio da revigoração, da regenerescência, como também da ressurreição, em suma, das profundas transmutações biológicas” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 167).

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

O fogo que produz calor se difere do fogo destrutivo das queimadas, adquirindo um sentido positivo que constitui o princípio de renascimento e de regeneração, pois leva os seres a amadurecerem biológica e espiritualmente. E o caldo – que “evoca sobretudo as efervescências provocadas pela ebulição e não o produto final da fervura” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 167) –, por ser produzido pela ação do fogo sobre o líquido, traduz-se em símbolo de harmonia universal, na forma de uma mistura equilibrada de substâncias. Mas ele também pode ser interpretado como o veículo do vigor ou da regeneração; na Índia védica, era visto como “o meio de regeneração celeste e do retorno à unidade cósmica” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 168). 

No caldo, vemos o reflexo do menino, da mãe e da onça, que sorriem. O ponto de virada para o clímax se dá quando a mãe mexe a panela com uma colher, levando à resolução final: o reflexo desaparece em um movimento espiral, que logo adquire a forma do planeta Terra, e girando desenha os continentes; a imagem faz jus ao caráter internacionalista do Greenpeace. Símbolos geométricos, semelhantes aos do corpo da onça, orbitam ao redor da Terra, abrindo margem para a interpretação de que eles seriam padrões presentes em todo o universo. 

Neste vídeo, o simbolismo da Mater como Grande Círculo, que inclui toda representação da natureza como entidade viva, a ponto de envolver o mundo inteiro, torna-se ainda mais evidente do que no vídeo “Eu sou a Amazônia”. De acordo com Neumann (2021), essa totalidade é determinada pelo caráter vaso do Grande Feminino, que enquanto esfera simbólica abrange o mundo em seus caracteres elementar e de transformação. “Em sua unidade original, é a totalidade da natureza de onde surge toda vida, a desenvolver-se e assumir em sua mais elevada transformação a forma de espírito” (NEUMANN, 2021, p. 74). 

Por fim, o contorno dos continentes também se dissolve e dá lugar ao desenho da onça, que reluz no espaço, como uma constelação, e abraça a mãe e o menino. O menino e a mãe se veem como parte do Grande Círculo, protegidos pela Grande Mãe, que assume a forma cósmica de uma onça. E, através dessa reintegração do Filius ao Grande Círculo, ocorre a elevação espiritual simbolizada pelo renascimento. O narrador afirma: “Ô onça na cozinha, eu já tenho a solução para salvar sua floresta e acabar com esse vilão”. 

Segundo Neumann (2021), o símbolo do renascimento é sempre um mistério da transformação matriarcal, mesmo se a sua interpretação estiver encoberta por um sentido patriarcal. “Nesse mundo matriarcal, o mundo espiritual da lua, que corresponde ao simbolismo básico do Grande Feminino, aparece na qualidade de nascimento e, na realidade, de renascimento.” (NEUMANN, 2021, p. 72). Os mistérios do renascimento envolvem a iluminação e a imortalização do indivíduo, que, iniciado pela mãe-espírito, renasce como luz no céu noturno. “Mesmo sendo imortal ela não o libera – tal como o Grande Pai, que reúne em torno de si seus imortais na mandala celeste” (NEUMANN, 2021, p. 74).

Tem um monstro na minha cozinha (2020)

A cauda da onça se prolonga em espiral, símbolo encontrado em inúmeras culturas como um tema aberto e otimista, além de estar presente em formações naturais do reino vegetal e animal, quando “evoca a evolução de uma força, de um estado” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001, p. 397). A espiral também está ligada ao simbolismo cósmico da lua, ao movimento cíclico da vida, ou mesmo à viagem, após a morte, da alma até o ser eterno (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2001), o que reforça o sentido de elevação espiritual da sequência. 

Concluímos que o menino e a sua mãe fazem parte do “grupo de escolhidos”, como os Guerreiros do Arco-íris (CASTELLS, 2018), que testemunham a restauração do matriarcado, um tempo de harmonia entre todos os seres, conforme prometem as profecias do Fim do Mundo. Isto só é possível a partir do momento em que o herói toma uma atitude em relação aos males causados pela destruição ambiental (Diabolus), representada pela indústria de carne, mas vai além disso. A conscientização ambiental leva à elevação espiritual, pois quando o menino (Filius) se conecta à onça (Spiritus), também se conecta à Terra (Mater), uma vez que a onça, enquanto anima que emerge da Grande Mãe, representa Mater no momento em que adquire uma forma cósmica. Assim, ao salvar o Spiritus e combater o Diabolus, Filius volta a fazer parte de um “todo”, que é a própria Mater, indissociável como arquétipo primordial. 

Após a imagem final da animação, a tela escurece e é ocupada por imagens reais do desmatamento da Amazônia. Em letras brancas, lê-se “O desmatamento é um monstro que está devorando nossas florestas e nossa biodiversidade”. Em seguida, a tela fica preta e a Call To Action aparece, junto à logo do Greenpeace: “Exija que empresas e governos protejam a Amazônia e o nosso futuro. Compartilhe e ajude a proteger nossas florestas.”.

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