"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

Fundamentos da narrativa ocidental

Se nos atermos às narrativas ocidentais que envolvem ação, há o consenso de que o primeiro pensador a analisá-las minuciosamente foi Aristóteles. As suas reflexões foram fundamentais para estabelecer princípios narrativos que continuam presentes não só no teatro, como no cinema comercial e, consequentemente, no filme publicitário, gênero situado na intersecção entre a publicidade e o cinema.

Composta no século IV a. C., a Poética de Aristóteles (2004) foi a primeira grande teorização sobre as realizações da poesia. Seus escritos são considerados basilares para os estudos de teoria literária, sendo um marco importante para a arte narrativa, como demonstra Robert McKee em “Story” (2006), célebre manual de escrita de roteiros para cinema: “Em vinte e três séculos desde que Aristóteles escreveu Poética, os 'segredos' da estória viraram tão públicos quanto a biblioteca do outro lado da rua.” (MCKEE, 2006, p. 19).

De acordo com Aristóteles, mimesis – ou “imitação” – é o conceito principal no qual a atividade poética se baseia. Mimesis se refere àquilo que imita outras coisas, reproduzindo-as por arte ou experiência, através de cores, figuras, voz, ritmo, palavras e harmonia, separadamente ou combinadas. Ao conceber a poesia como a arte que imita apenas por palavras, em prosa ou em verso, Aristóteles (2004) se refere ao cognato do verbo poiein, que significa “fazer, fabricar, construir”; portanto, poeta seria aquele que fabrica, que faz, um texto ou um objeto.

A poesia é vista por Aristóteles como dotada de um caráter mais elevado do que a História, porque enquanto a primeira expressa o universal, a segunda expressa o particular: a História relata o que aconteceu, e a Poética, o que poderia acontecer. De forma semelhante, a poética possui em si dois aspectos: o seu verdadeiro âmbito, seja narração (epopeia) ou ação (tragédia), e o seu verdadeiro significado, enquanto correspondência ou retrato dos universais. O primeiro seria “o que aconteceu”, e o segundo, “o que poderia acontecer”.

Na tragédia grega, a poética serve-se da ação e, por meio da compaixão (eleos) e do temor (phobos), provoca a purificação (katharsis) de tais paixões. Seis partes a constituem: enredo (mythos), caracteres (eles), elocução (lexis), pensamento (dianoia), espetáculo (opsis) e música (melopoiia). Cabe ressaltar que mythos, equivalente a enredo, é destacado por Aristóteles como o princípio e a alma da tragédia, portanto o filósofo foi o primeiro a reconhecer que a estruturação dos acontecimentos seria o seu elemento mais importante.

Para Aristóteles, “o poeta deve ser um construtor de enredos mais do que de versos, uma vez que é poeta devido à imitação e imita ações” (ARISTÓTELES, 2004, p. 55). Ainda sobre o enredo (mythos), destaca que, por ser a tragédia a imitação de uma ação completa que formaria um todo, ele deve possuir uma extensão bem definida, contendo princípio, meio e fim. Enredos bem-estruturados não devem começar nem acabar ao acaso, por isso Aristóteles (2004) observa:

o enredo, como imitação que é de uma ação, deve ser a imitação de uma ação una, que seja um todo, e que as partes dos acontecimentos se estruturem de tal modo que, ao deslocar-se ou suprimir-se uma parte, o todo fique alterado e desordenado. Realmente aquilo cuja presença ou ausência passa despercebida não é parte de um todo (ARISTÓTELES, 2004, p. 53)

O fato de as tragédias possuírem início, meio e fim – ou seja, unidade da ação – é outro aspecto que as diferencia das narrativas históricas. Além disso, tragédias se caracterizam por provocar reações nas pessoas, como mobilização e exaltação. Uma tragédia bem-sucedida leva as pessoas a passarem por uma espécie de “purificação”, correspondente à palavra grega katharsis, cuja natureza e efeitos psicológicos são decorrentes da experiência emocional que assistiram. Essa purificação ocorre pelo despertar de duas emoções: phobos, que significa aflição ou perturbação decorrente de se imaginar sofrendo uma desgraça destrutiva ou dolorosa, devido a acontecimentos próximos e imediatos; e eleos, que corresponde à compaixão por aqueles que são dignos de pena, atingidos pela desgraça sem o merecer (ARISTÓTELES, 2004).

Para despertar esses sentimentos, a imitação deve conter em sua ação completa alguns fatos que inspiram temor e compaixão e que são suscitados com maior facilidade quando provocam uma quebra de expectativa, porém mantendo uma relação de causalidade entre si. Essa dinâmica deve fazer parte da estrutura da tragédia, comparada por Aristóteles a um nó seguido por um desenlace:

Toda a tragédia tem um nó e um desenlace: os fatos exteriores à ação e alguns dos que constituem essa ação formam, muitas vezes, o nó, e o resto é o desenlace. Entendo por nó o que vai desde o princípio até o momento imediatamente antes da mudança para a felicidade ou para a infelicidade e por desenlace o que vai desde o início desta mudança até o fim (ARISTÓTELES, 2004, p. 74)

Outro conceito importante presente nas tragédias é o de hamartia, que corresponde a um erro cometido sem querer. Seja por um erro de cálculo ou acidente, esses erros são cometidos por pessoas que não se distinguem nem pela sua virtude nem pela justiça, e que caem no infortúnio não por maldade ou perversidade; ou seja, pessoas comuns. Na tragédia ideal de Aristóteles, a hamartia seria uma forma de ignorância que desencadeia consequências desastrosas, mas não subverte a integridade moral do herói trágico.

O segundo elemento mais importante da tragédia, logo após a estruturação dos acontecimentos, são os caracteres ou personagens. Aristóteles ressalta que eles estão sempre sujeitos ao enredo, porque os homens “não atuam para imitar os caracteres mas os caracteres é que são abrangidos pelas ações. Assim, os acontecimentos e o enredo são o objetivo da tragédia e o objetivo é o mais importante de tudo” (ARISTÓTELES, 2004, p. 49).

Em terceiro lugar vem o pensamento, que deve ser capaz de exprimir o que é possível e apropriado por meio da palavra, e em quarto lugar a elocução, que se diferencia do pensamento por ser a comunicação dele por meio de palavras, porém dotada de estilo, em verso ou em prosa. A elocução deve ser clara, mas sem ser banal, pois fica vulgar se forem usadas palavras muito comuns. Por outro lado, se usarem muitas palavras raras, como metáforas ou expressões estrangeiras, ela pode resultar em enigma ou “barbarismo”. Assim, Aristóteles recomenda misturar palavras comuns e raras de forma moderada (ARISTÓTELES, 2004).

Interessante ressaltar a definição aristotélica de metáfora, que hoje consideraríamos abranger sinédoque e metonímia: para o filósofo, “metáfora é a transferência de uma palavra que pertence a outra coisa, ou do gênero para a espécie ou da espécie para o gênero ou de uma espécie para a outra ou por analogia” (ARISTÓTELES, 2004, p. 83). A habilidade de construir boas metáforas seria indispensável para um bom poeta, devido à própria natureza da poética enquanto mimesis. “De fato, esta é a única coisa que não se tira de outrem e é sinal de talento, porque construir bem uma metáfora é o mesmo que percepcionar as semelhanças” (ARISTÓTELES, 2004, p. 90).

Ao refletir sobre as origens da imitação, Aristóteles afirma que ela é natural aos seres humanos desde quando são crianças, e que o fato de possuírem maior capacidade para imitar, adquirindo assim seus primeiros conhecimentos, os diferencia dos outros animais. Ou seja, além das pessoas se entreterem com as imitações, assisti-las leva a aprendizados e deduções sobre o que as ações estão representando.

Seja reconhecendo a função das narrativas para a transmissão de experiências, seja hierarquizando os elementos mais importantes da tragédia, as observações que provêm do legado deixado por Aristóteles (2004) ampliam as possibilidades de analisarmos a estrutura narrativa dos filmes publicitários.

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