Em “Storytelling: La máquina de fabricar historias y formatear las mentes”, Christian Salmon explica como o storytelling se popularizou nos EUA e alerta quanto ao potencial de influenciar pessoas contido no ato de contar histórias, cada vez mais popular entre os “gurus do capitalismo”. De acordo com o autor, as técnicas de storytelling emergiram nos EUA em meados da década de 1990, tomando formas mais sofisticadas à medida que os anos se passavam, tanto no universo da gestão empresarial, quanto no da comunicação política. Desde os tradicionais contadores de histórias até experiências de digital storytelling, suas técnicas mobilizam diversos tipos de narrativas. Até mesmo grandes empresas e o exército americano, característicos por sua seriedade e expertise, passaram a fazer uso de histórias ficcionais, úteis para se conectar com os colaboradores (SALMON, 2010).
Esse storytelling revival é constatado em diversas áreas, do jornalismo até métodos terapêuticos, sendo chamado por alguns pesquisadores de virada narrativa, ou o despontar de uma nova era narrativa (SALMON, 2010). Se antes as histórias eram vistas como uma forma de comunicação voltada para crianças, ou uma atividade de lazer – que interessaria apenas aos estudos literários, nos campos de linguística, retórica, gramática textual e narratologia –, para Salmon (2010) o fenômeno que surge com a expansão do uso do storytelling, reflete uma tendência no uso de narrativas como forma de controle.
O autor explica que a primeira área a tornar aparente o sucesso da abordagem narrativa foi a de Ciências Humanas, descrevendo-a como uma “virada narrativista” em meados dos anos 1990. Estendendo-se gradativamente para as Ciências Sociais, apenas nos anos 2000 a narrativa passaria a ser vista em áreas cada vez mais diversas, como Psicologia, Direito e Ciências Cognitivas. Essa virada coincide com a expansão da Internet nos EUA, bem como os avanços de novas tecnologias e informação e comunicação, o que facilitou para que as histórias se espalhassem mais rapidamente.
No entanto, Christian Salmon (2010) constata que a maior influência do storytelling na publicidade está diretamente relacionada a uma mudança na forma de enxergar grandes corporações, ou, mais especificamente, grandes marcas. Tal transformação é evidenciada com a substituição da brand image, que dominava o marketing nos anos 1980, pela brand story no fim dos anos 1990 (SALMON, 2010). No começo dos anos 2000, o número de marcas registradas nos Estados Unidos aumentava significativamente, atingindo 140 mil marcas registradas somente em 2003. Novas marcas eram introduzidas ao mesmo tempo em que marcas estabelecidas se esforçavam para fortalecer sua presença, o que aumentava a competitividade e levava grandes empresas a investirem bilhões de dólares em publicidade. Porém, os consumidores americanos mostravam-se cada vez menos leais. Salmon (2010) relata como diversas marcas que, nos anos noventa, simbolizavam a prosperidade das multinacionais, bruscamente perderam seu prestígio e poder comercial no começo dos anos 2000. A publicidade parecia perder sua força e credibilidade, como se os consumidores tivessem passado a reagir negativamente ao excesso de promoções, pseudoinovações e marketing massivo (SALMON, 2010).
Nesse contexto, os consumidores já não podiam mais ser identificados apenas por sua categoria socioprofissional, pois ela não informava mais seus hábitos e desejos. Eles estavam se tornando “especialistas”, como reflexo de uma tendência crescente ao consumo responsável, ou mesmo ao “prossumo – do inglês prossumption, junção entre as palavras produção e consumo” (FONTENELLE, 2017, p. 131). Retornaremos ao tema no final do capítulo, observando que as ONGs também parecem ter se adequado a essa tendência mercadológica.
De acordo com Salmon (2010), o fim da era da publicidade de marcas foi acelerado com o surgimento dos novos meios de comunicação e das inúmeras possibilidades de difundir conteúdo pela internet. Mas para alcançar um maior número de pessoas, ou “viralizar”, as histórias contadas por marcas devem corresponder às expectativas e visões de mundo do público visado. “Quando são utilizadas na web, transformam a nós mesmos em storytellers, em propagadores de histórias, já que a fascinação que inspira uma boa história nos impele a repeti-la” (SALMON, 2010, p. 57, tradução da autora) .
Em agosto de 1999, Amanda Tucker, diretora do programa de combate ao trabalho infantil da Organização Internacional do trabalho, foi recrutada pela Nike. Na mesma época, a Nike encomendou um relatório a acadêmicos norte-americanos. Um deles, David M. Boje, um pioneiro do storytelling organizacional, havia participado nos anos noventa das campanhas anti-Nike e realizado com seus alunos um trabalho teórico de desconstrução da marca (SALMON, 2010, p. 52, tradução da autora)
Não existe apenas um futuro; múltiplos são possíveis, até o momento em que, como dizem na física quântica, algo colapsa as ondas de potencialidade para outra direção. Antenarrativas, essas apostas no futuro, colapsam as possibilidades para algumas realidades (BOJE, 2014, p. 10, tradução da autora).
O objetivo do marketing narrativo já não é simplesmente convencer o consumidor a comprar um produto, mas provocar sua imersão em um universo narrativo, inseri-lo em um universo acreditável. Já não se trata de estimular a demanda, mas de oferecer uma história de vida que propõe modelos de conduta integrados que incluem certos atos de compra, através de verdadeiras engrenagens narrativas (SALMON, 2010, p. 63, tradução da autora).
Conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. Em outros termos, aprende-se não somente como as coisas vieram à existência, mas também onde encontrá-las e como fazer com que reapareçam quando desaparecem (ELIADE, 1972, p. 18).
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