"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

O storytelling no mercado

Em uma história, as pessoas devem sempre saber quem é o herói, o que ele quer, quem necessita derrotar para conseguir o que quer, o que de trágico acontecerá se o herói não ganhar e o que acontecerá de maravilhoso se tudo der certo. Se o público não puder responder a essas perguntas básicas, o filme vai perder milhões na bilheteria. E se um roteirista romper essas regras provavelmente nunca mais arranjará trabalho (MILLER, 2019, p. 11)

O trecho acima, retirado do livro “Storybrand” (2019), um manual para construir narrativas elaborado por Donald Miller a partir da Jornada do Herói, sugere o quanto o estudo das narrativas impactou o cinema comercial nas últimas décadas. Também no universo empresarial, saber contar histórias se tornou um diferencial tanto para a comunicação interna das organizações quanto para estratégias de marketing.

O método para estruturar narrativas proposto por Miller (2019), que ele chama de método SB7, reduz uma trama a sete pontos básicos e serve como exemplo de como a Jornada do Herói se consolidou enquanto fórmula predominante no mercado. Empresas a utilizam para envolver os consumidores com suas histórias, a fim de impulsionar a venda de seus produtos e o reconhecimento da marca. Mas há uma diferença fundamental entre a proposta original e a mercadológica: enquanto a Jornada do Herói se refere ao processo de individuação, por meio do confronto entre o herói e sua sombra, aplicar o modelo a um negócio traz foco para o problema que os produtos ou serviços se propõem a solucionar. Nesta narrativa publicitária, quem assume o papel de herói é o cliente em potencial. Miller (2019) convence o leitor de que não há como fugir dessa fórmula:

Quase todas as histórias que você vê ou ouve são assim: um PERSONAGEM que deseja alguma coisa encontra um PROBLEMA antes que a possa obter. No auge do seu desespero, um GUIA entra em sua vida, lhe dá um PLANO e O CONVIDA A AGIR. Tal ação o ajuda a não FRACASSAR e termina em um SUCESSO. (MILLER, 2019, p. 20)

Narrativas assim são encontradas com frequência no cinema comercial, produzido em Hollywood. Como vimos no primeiro capítulo, Christopher Vogler (2015) lançou nos anos 1990 um manual de roteiros que sintetiza a Jornada do Herói de Joseph Campbell (2007), repercutindo que ela se trata de uma estrutura universal encontrada em mitologias ao redor do mundo, o que contribuiu para a popularização do monomito. Em “A jornada do escritor”, Vogler (2015) explica conceitos como arquétipos através das funções (PROPP, 2006) desempenhadas pelos personagens, dando uma ênfase formal e estrutural que, também presente nos estudos já citados ao longo desta dissertação, facilita a incorporação dos conceitos junguianos a produções audiovisuais. Essas técnicas servem ao propósito de alcançar o maior público possível:

A análise estrutural nos mostra que se pode reduzir os mitos a estruturas matemáticas. Ora, toda estrutura constante pode se conciliar com a norma industrial. A indústria cultural persegue a demonstração à sua maneira, padronizando os grandes temas romanescos, fazendo clichês dos arquétipos em estereótipos. (MORIN, 1990, p. 26, apud CONTRERA, 1996, p. 74).

Como vimos no primeiro capítulo, os avanços na investigação estruturalista foram possíveis devido à análise dos mitos primitivos realizada por Lévi-Strauss, proporcionando uma abordagem capaz de reconhecer que os signos, em si, não possuem um sentido inato, mas o adquirem a partir de sua função dentro da estrutura; no caso, a cultura a que pertencem. Quando aplicada à literatura, a interpretação estruturalista consiste em procurar uma ordem ou inteligibilidade diante dos padrões do texto, a fim de “isolar os padrões significativos de signos a partir dos quais poderá chegar a conclusões sobre o significado e a cultura que estão sendo transmitidos e pesquisados" (BONNICI, 2009, p. 132). 

No entanto, ao priorizar o domínio da estrutura, analisando-a a partir de uma lógica “matemática”, a abordagem cientificista do Estruturalismo literário tende a negar avaliações, o que se manifesta na atitude de não opinar se uma obra seria boa, ruim ou indiferente. Nas palavras de Terry Eagleton (2003), devido a essa evasão dos juízos de valor, “o Estruturalismo se deixava levar pela teoria alienada da prática científica, fortemente predominante na sociedade capitalista mais recente” (EAGLETON, 2003, p. 168). Podemos constatar essa suposta neutralidade nos manuais que ensinam fórmulas estratégicas com base em estruturas narrativas, atendendo uma demanda de mercado, sem refletir sobre os efeitos de suas práticas.  

Ainda assim, não alcançamos as origens da popularização do storytelling no meio publicitário. Nem mesmo os estudos desenvolvidos pelos narratologistas parecem guardar relação direta com a popularização do termo “narrativa” no mercado, ou com sua expansão para outras áreas. Peter Brooks, um reconhecido professor norte-americano de Literatura Comparada, declarava em 2001: “O trabalho desenvolvido pela narratologia não invadiu outras disciplinas – nem o discurso público” (BROOKS, 2001, tradução da autora). Diante disso, não podemos afirmar que o storytelling se popularizou após as publicações dos principais expoentes da Narratologia, nem que o seu uso comercial foi influenciado por estes autores. 

Sabemos que o Estruturalismo levou várias disciplinas, inclusive a Teoria Literária, a adquirirem bases mais sólidas. Devido às suas contribuições, o estudo das “obras literárias” passou a abranger o “sistema literário”, ou seja, a Literatura enquanto sistema de códigos, gêneros e convenções pelos quais as obras literárias são identificadas e sistematizadas (EAGLETON, 2003, p. 169). E sem essa sistematização, talvez não fosse possível desenvolver novos métodos de storytelling a fim de criar uma “narrativa com propósito” (MCSILL, 2015, p. 39).

De acordo com Christian Salmon (2010), o ato de contar histórias começou a ganhar força no início nos anos 1990, quando o storytelling management passou a ser incorporado nas organizações, incentivando o uso de narrativas compartilhadas para mobilizar os colaboradores. No entanto, o auge de seus métodos e técnicas veio com a necessidade de grandes marcas, como a Nike, combaterem denúncias feitas por ativistas do movimento antimarcas (SALMON, 2010), no final da década de 1990. Dessa forma, o storytelling definido como métodos e estratégias utilizados para alcançar fins mercadológicos teve seu marco no contexto do movimento antimarcas (SALMON, 2010), que deu origem a um novo consumidor, mais exigente e difícil de ser conquistado pelas estratégias de marketing tradicional (FONTENELLE, 2017).

Para nos aprofundar em nosso objeto, que são os filmes publicitários do Greenpeace, contextualizaremos a presença de estruturas narrativas na publicidade e no cinema com um breve levantamento histórico da popularização do storytelling


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