Os arquétipos presentes na comunicação de massa, especialmente nos filmes publicitários, são elementos importantes do storytelling por serem usados de forma estratégica para criar conexão com a audiência. No entanto, um obstáculo se impõe a qualquer um que decida estudá-los: não é possível definir um arquétipo, e só podemos nos aproximar deles por meio dos símbolos. Para estabelecer essa distinção fundamental entre símbolos e arquétipos, adotamos o trabalho do psicólogo analítico Erich Neumann (2021) como principal referência, devido ao seu extenso estudo sobre as imagens da Grande Mãe, representação do Grande Feminino, que ele chama de arquétipo primordial.
Neumann (2021) define o arquétipo como uma imagem interior que opera na psique humana, um fenômeno psíquico e, portanto, ininteligível. Mas afirma que ele pode ser expresso simbolicamente e os seus efeitos, observados, seja por meio de rituais, mitos e símbolos de diferentes culturas, ou nos sonhos e fantasias dos indivíduos (NEUMANN, 2021). Por ser impossível enquadrar o arquétipo em uma definição, o que o autor aborda no livro “A Grande Mãe” (2021) é a representação simbólica do self arquetípico. Partindo da ideia de que a Grande Mãe se trata de um motivo mitológico que, presente no inconsciente coletivo, pode aparecer em várias culturas – ou seja, um conteúdo inconsciente, e não somente um dinamismo ou força condutora que atua sobre a psique do homem –, Neumann (2021) estuda as obras de arte moldadas pelo homem, que é considerado o veículo do arquétipo, em parte conscientemente e em parte inconscientemente.
De acordo com Neumann (2021), a estrutura do arquétipo abrange o seu componente dinâmico (ou emocional), o seu simbolismo e o seu componente material. A dinâmica se manifesta por processos energéticos no interior da psique, que operam no inconsciente e entre o inconsciente e a consciência. É um efeito que, independentemente de permanecer inconsciente ou alcançar a consciência do indivíduo, pode surgir em emoções, projeções, fascinações, estados maníacos e de depressão, ou no sentimento de que o ego está sendo subjugado. O simbolismo, por sua vez, é como o arquétipo se manifesta na forma de imagens psíquicas percebidas pela consciência. As imagens são específicas e próprias de cada arquétipo, mas, em imagens diferentes, podem aparecer diferentes aspectos deles. Por fim, o componente material diz respeito ao conteúdo significante do arquétipo, que é apreendido pela consciência, e também à própria elaboração do conteúdo arquetípico pela consciência, caso seja removido o seu teor emocional.
O arquétipo, então, consiste em uma complexa estrutura de organização psíquica, cujo “centro e fator unificador inapreensíveis são o próprio arquétipo” (NEUMANN, 2021, p. 20), por isso não pode ser definido. No entanto, se esses conteúdos atuantes no inconsciente que formam o arquétipo forem capazes de representação, e se possuírem qualidade de imagem, eles podem se impor à consciência, assumindo a forma de imagens (vale ressaltar que essas imagens pictóricas não correspondem ao “arquétipo em si”, que é ininteligível e existe de modo pré-consciente). Dito de outra forma, os arquétipos representam um padrão de visão na consciência, e eles organizam o material psíquico como imagens-símbolo; esse grupo de símbolos que pertencem a um arquétipo recebe o nome de cânone simbólico (NEUMANN, 2021).
Considerado um dos alunos de Carl G. Jung de maior destaque, Erich Neumann compreende que a vida humana é determinada antes pelo inconsciente, incluindo suas imagens arquetípicas, do que pelo consciente e pelas decisões tomadas pelo ego. O próprio mundo é experimentado pelo sujeito, a princípio, através do seu inconsciente:
Em outras palavras, ele percebe o mundo não através das funções da consciência, como um mundo objetivo, mas, sim, mitologicamente, em imagens arquetípicas, em símbolos, que são uma expressão espontânea do inconsciente e ajudarão a psique a se orientar no mundo, e, ainda, na qualidade de motivos mitológicos, vão configurar as mitologias de todos os povos. (NEUMANN, 2021, p. 30)
O autor compartilha da visão de Jung, fundador da Psicologia Analítica, que ao longo do desenvolvimento de suas investigações acerca da psique humana, reconheceu a incapacidade do intelecto de se aproximar da profundidade e força de apreensão das imagens míticas. Estas seriam imagens primordiais, melhor representadas, e de forma mais sucinta, por meio da linguagem figurativa, que é a linguagem dos símbolos; a linguagem do inconsciente. De acordo com essa concepção, os símbolos possuem um componente dinâmico e um componente material, de forma semelhante ao próprio arquétipo, e induzem a consciência a interpretá-los, pois estimulam e fascinam a personalidade humana (NEUMANN, 2021). Nas palavras de Jung: “O processo simbólico é uma vivência na imagem e da imagem” (JUNG, 2008, p. 47). E o fato de tudo ser vivenciado simbolicamente, de forma imagética, não torna seus efeitos menos reais; pelo contrário, o destino de cada indivíduo depende de como se apreende a riqueza dos símbolos, que oscila extraordinariamente (JUNG, 2008).
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