"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

Uma oposição fundamental

A Semiótica da Cultura parte do princípio de que o ser humano compreende a realidade por meio de oposições, ou binarismos, à semelhança do Estruturalismo. Ao afirmarmos que é por meio do ato de cognição, à luz da consciência, que o homem reconhece o mundo dividido em opostos, também nos aproximamos do campo de conhecimentos da Psicologia Profunda. Essa aproximação é demonstrada pelas pesquisas de Contrera (2000, 2002) e Camargo (2011).

Ao definirmos cultura como uma determinada estrutura ou organização em uma esfera de atividades humanas, concluímos que a cultura existe sempre em relação ao que chamamos de não-cultura, e vice-versa. Mas há uma fronteira entre essas duas concepções: um espaço intermediário no qual as informações circulam livres, não-estruturadas, antes de passarem da não-cultura para a cultura. Ao considerar essa vasta zona de fronteira, Contrera (2000) esclarece que, apesar do conceito de não-cultura possuir um caráter negativo, isso não significa a inexistência de uma organização que esteja além da cultura como conhecemos, e sim que, se tal organização existe, ela não se adequa ou é aceita pelos parâmetros da cultura instituída.

Como já vimos, o universo da cultura é organizado em diálogo com as condições biológicas do homem. De forma semelhante, a autora afirma que 

a relação entre cultura e não-cultura se dá como uma oposição complementar, constantemente intercambiável; funcionando mais como uma relação de identidade (a exemplo da relação ego/alter-ego) do que como uma definição de cultura fechada que pudesse desconsiderar os aspectos relacionais da questão. (CONTRERA, 2000, p. 24)

É nesse mesmo sentido que Camargo (2011) estabelece paralelos entre esses conceitos e os de consciente e inconsciente da Psicologia Profunda: “No campo da psicologia podemos entender a não-cultura como o estado de inconsciência do homem (sombras) a partir do surgimento da consciência (a luz), consequente surgimento da cultura” (CAMARGO, 2011, p. 22).  As analogias destacadas por Contrera (1996) e Camargo (2011) provêm dos conceitos ego/alter-ego e ego/sombra, desenvolvidos por Sigmund Freud e Carl Jung, respectivamente. Camargo (2011) também se refere ao psicanalista Erich Neumann para explicar o processo de tomada de consciência pelos indivíduos, demonstrando que, por mais que a consciência humana marque a ruptura entre homem e natureza, o inconsciente não deixa de existir (NEUMANN, 1990).

É importante retomarmos a discussão sobre a estrutura e os diferentes níveis de códigos a partir da diferença entre informação e signo. De acordo com Bystrina (1995), apesar do signo ser portador de informação, nem toda informação é um signo, pois o signo é necessariamente intencional. E, para que uma informação seja sígnica, ela precisa ser carregada de intenção, seja ela consciente ou inconsciente: “A informação que vem do inconsciente, como já disse Freud, é uma informação básica, primeira, e também é intenção, também é intencional. Algo na psique produz essa intenção” (BYSTRINA, 1995, p. 6). 

Nesse ponto, estabelecemos mais uma aproximação entre as investigações da Semiótica da Cultura e os conceitos desenvolvidos no âmbito da Psicologia Profunda:

Tudo aquilo que um conteúdo arquetípico exprime é, antes de qualquer coisa, uma figura de linguagem. Se ela fala do sol e identifica-o com o leão, com o rei, com o tesouro vigiado pelo dragão e com a vitalidade ou ‘potencial de saúde’ dos homens, não é especificamente nem uma coisa nem outra, mas um terceiro elemento desconhecido, que se expressa de maneira mais ou menos adequada através de todos esses símiles. Entretanto, para o perpétuo constrangimento do intelecto, aquilo permanece desconhecido e informulável (JUNG, 1942, p. 114s, apud NEUMANN, 2021, p. 31).

Esse “terceiro elemento desconhecido” se trata de uma informação que se expressa através de signos, como o sol, o leão e o rei. E cada um desses signos – que são, por definição, intencionais – portam informações sobre aquilo que representam, bem como informações sobre si próprios (BYSTRINA, 1995, p. 6). 

Dentro dos estudos da Semiótica da Cultura há um princípio de estruturação que se refere ao modo como uma informação se estrutura, ou à expressão de como seus elementos se organizam. Bystrina (1995) explica que esse princípio se torna mais evidente no texto artístico, pois quando as suas estruturas se evidenciam como informação ele passa a dizer algo sobre si próprio¹. Assim, da mesma forma que um texto cultural pode conter vários significados, as mensagens transmitidas por ele podem ser diversas, compondo camadas que vão desde a superfície até suas estruturas mais profundas e complexas. No caso dos códigos terciários, sua estrutura básica apresenta as características de binariedade, polaridade e assimetria (BYSTRINA, 1995).

A estrutura é binária, ou dual, com base na observação do mundo físico, ou primeira realidade. Portanto, assim como os códigos primários (que regulamentam informação) e os códigos secundários (relativos à linguagem), os códigos terciários são construídos por meio de oposições binárias. Conforme explica Bystrina (1995), nos primórdios da cultura humana a oposição mais importante era a de vida/morte, e foi a partir dela que se desenvolveram outras como céu/terra, saúde/doença, luz/sombra. De acordo com o autor, essas oposições binárias ainda predominam no pensamento da cultura em geral (BYSTRINA, 1995). 

Outra característica da estrutura dos códigos terciários é o fato de ela ser organizada em polaridades, de modo que o binarismo é valorado polarmente. Isto porque, quando os polos adquirem um valor, tomar decisões se torna mais fácil, possibilitando a adoção das ações mais adequadas para resolver as necessidades práticas da vida em comunidade. Um exemplo está na oposição entre vida e morte: todos os seres vivos tendem a valorizar a preservação e permanência da vida, enfrentando o risco de morte. 

De acordo com Bystrina (1995), a humanidade demarca polos para apontar situações de perigo ou desprazer. “Onde não existe perigo não há sinal, não há desafio. Isso significa que os conceitos, ideias ou objetos que não possuem seu correspondente polo negativo não podem ser sinalizados, não podem ser demarcados” (BYSTRINA, 1995, p. 9). Para o autor, o polo negativo é sempre percebido ou sentido com maior força do que o polo positivo, de modo que a estrutura básica dos códigos terciários é assimétrica, a exemplo do entendimento de que a morte é mais forte do que a vida. Mas também é possível afirmar o contrário, a depender da teorização adotada: se, na natureza, tudo pode renascer, prevalece a força da vida contra a morte. Ainda assim, a assimetria constitui a terceira característica dos códigos terciários. 

Uma vez que as estruturas binárias funcionam como diretrizes para a ação, resta apreender que ações seriam estas. Bystrina (1995) explica que, além da possibilidade de solucionar as oposições por meio de forças físicas, como o uso de remédios para cura de doenças, é possível encontrar respostas no imaginário, ou seja, na segunda realidade. “Os estruturalistas, especialmente Lévi-Strauss, nos mostraram que a solução para as oposições assimétricas é concebida na esfera nítida e ideológica, realizadas em rituais sociais, cotidianos, rituais sagrados e profanos” (BYSTRINA, 1995, p. 9). Desta forma, os textos culturais também oferecem algumas possibilidades de solução. 

A partir da Semiótica da Cultura, nosso embasamento teórico assume um caráter interdisciplinar, relacionando diferentes campos de conhecimento para analisar como os elementos arquétipo-míticos presentes nos filmes publicitários do Greenpeace são organizados, em busca de significados que podem ser transmitidos de forma inconsciente. Como afirma Bystrina: “A análise em profundidade de textos culturais, a descoberta de mensagens ocultas e a interpretação dos textos são atividades que constituem o que há de mais importante no trabalho da semiótica da cultura” (BYSTRINA, 1995, p. 23). 

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¹ Este princípio, desenvolvido por Iúri Lotman em “A estrutura do texto artístico” (1979), também foi abordado por Camargo (2011), que constata no texto publicitário os principais traços que constituem o texto artístico: expressibilidade, delimitabilidade e estruturabilidade (CAMARGO, 2011). 

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