"A vida faz mais do que se adaptar à Terra; ela a modifica. A evolução é uma dança bem engendrada na qual a vida e o ambiente material formam um par. Dessa dança emerge a entidade Gaia." (James Lovelock)

Uma realidade imaginada

O semioticista da cultura Ivan Bystrina (1995) propõe a classificação de dois tipos básicos de realidade: a primeira sendo biofisicoquímica, e a segunda, simbólica, imaginativa e cultural. Esta categorização, no entanto, serve apenas como recurso metodológico para examinar como ocorre o processo de elaboração pelos seres humanos, de modo que as duas realidades não devem ser vistas como instâncias separadas ou autônomas, porque, na prática, elas agem em conjunto.

O desenvolvimento da capacidade imaginativa, ou da segunda realidade, está diretamente ligado à necessidade de a humanidade lutar pela sua própria sobrevivência. Como explica Malena Contrera (2000), criar e contar histórias possibilita “controlar uma situação de crise real e objetiva, utilizando para esse controle sua capacidade de criar uma outra realidade: a realidade da imaginação, da arte, do universo representado, da linguagem” (CONTRERA, 2000, p. 67).

A autora aponta que o mito sempre se tratou de uma narrativa significativa por seu caráter simbólico e revelador, representando forças da natureza e aspectos da condição humana. No entanto, se antes os textos míticos legitimavam aspectos psicológicos e existenciais da humanidade, atualmente eles são recebidos com ceticismo devido à predominância de um modelo de pensamento racionalista, que condena processos imaginativos ao campo das patologias (CONTRERA, 2000, p. 64).

Os mitos, enquanto estruturas de pensamento imaginativo que levaram milênios para se formar, desempenharam um papel vital para a espécie. A partir do momento em que eles servem aos seres humanos como uma resposta à consciência de suas próprias limitações, tornam-se estruturas apropriadas para a superação do medo e da ansiedade a respeito do que não compreendem. Como afirma Lévi-Strauss (2014), os povos desenvolvem o pensamento mitológico em resposta a uma necessidade ou um desejo de compreender o mundo, desde a sua natureza até a sociedade em que vivem. 

Essa é uma pretensão totalizante, como explica o antropólogo, porque a finalidade dos mitos é: 

atingir, pelos meios mais diminutos e econômicos, uma compreensão geral do universo — e não só uma compreensão geral, mas sim total. Isto é, trata-se de um modo de pensar que parte do princípio de que, se não se compreende tudo, não se pode explicar coisa alguma (LÉVI-STRAUSS, 2014, p. 29). 

Dessa forma, o pensamento mitológico se caracteriza por se tratar de uma forma de pensar contrária ao pensamento científico, que, por sua vez, compartimentaliza informações sobre a realidade e aplica métodos para compreender, etapa por etapa, as várias partes que compõem o todo. 

Apesar de ter sido influenciada pelo Estruturalismo, a Semiótica da Cultura concebe a estrutura como um conjunto dinâmico de relações, portanto sua visão difere dos estruturalistas como Lévi-Strauss, que utilizam o conceito de estrutura para um todo estruturado, como se já estivesse finalizado (BYSTRINA, 1995). Sobretudo, é necessário entender que, ao explicar a realidade, o mito forma um mecanismo de construção de sentido, e que os textos míticos, por terem suas origens na necessidade instintiva de narrar e ouvir histórias que constitui o ser humano, servem de base para outros textos culturais, entre eles os textos publicitários (CONTRERA, 2002; CAMARGO, 2011). Assim, eles também interferem na realidade.

>>>

Nenhum comentário: